Bem vindo ao meu mundo

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domingo, 28 de março de 2010

O legado Dinasta.

No beco escuro e fétido onde fora largado ele tenta recompor seus pensamentos. O pouco que recorda não lhe basta. Enquanto isso deixa seu corpo inerte, como se a imobilidade física pudesse acionar um movimento cerebral repentino que o fizesse recordar dos últimos momentos – serão horas, dias, meses? Há quanto tempo está ali? Onde esteve antes? Quem o trouxe ou como veio? Encolhe as pernas junto ao corpo, evitando que os ratos continuem a passar por sobre suas canelas.


Bem, ele pensa, vamos relaxar, fechar os olhos, esquecer essa dor que parece espalhar-se pela circulação sanguínea. Deixar a mente vagar até encontrar algo que a faça recordar.

Encontrara um amigo que há anos não via. Conversaram e o amigo lhe contou como sua vida mudara desde que entrara para um grupo de empreendedores denominado ... Não conseguiu lembrar. O amigo convidou-o a participar de uma reunião do grupo na semana seguinte, na noite de quinta-feira. A reunião fora marcada na cidade vizinha da que morava. Ele deveria ir sozinho:

- Questão de segurança. Você entende, não é?

Não, não entendia, mas não tinha importância, pois não pretendia mesmo ir. Achara o antigo amigo muito diferente, estranho de um modo que não soube definir. Tinha mais o que fazer e não pretendia deixar de ficar com sua namorada para ir a uma reunião dos ... Engraçado! Por que não conseguia lembrar?

Ao sair do serviço na quinta-feira da semana seguinte, sem conseguir evitar, seus passos o levaram à estação rodoviária. Tomara o ônibus das 19h. Às 20h15min desembarcara na cidade vizinha e, mesmo desconhecendo o endereço indicado pelo amigo, às 21h chegara pontualmente ao local da reunião.

Pessoas desconhecidas conversavam na entrada de um salão mal iluminado. Os espelhos do hall estavam cobertos por panos pretos. Caminhou pelo recinto como se já o conhecesse. Na semiescuridão avistou seu amigo conversando com um casal. Foi até ele.

Nesse momento tudo ficou confuso novamente. As imagens passavam em flashes rápidos e pouco delas ele conseguia manter.

Os que estavam no salão, após a porta principal ser fechada, cercaram-no com expressões famintas. Homens, mulheres, sangue, cheiro de morte e uma dor lancinante em seu pescoço. Após, a escuridão e o beco, os ratos, o muro pichado à sua frente.

O muro! Sabia que algo nele chamara sua atenção. Trêmulo, levanta-se e chega bem perto do muro, onde lê a palavra escrita com tinta spray vermelha: DINASTIA. Grita como um “Eureka”:

- É isso, dinastia!

Uma dor aguda em sua têmpora esquerda quase o derruba novamente. Os flashes da memória vão se ligando até formarem o quadro completo. Cambaleante ele sai do beco sujo. Toma a direção da rua movimentada. Não a reconhece, porém isso não mais importa.

No asfalto molhado os carros deslizam. Os bares lotados. Uma garota de minissaia passa por ele, apressada. Algo desperta, embrutecido e selvagem, dentro dele. Perdendo o resto de lucidez e com uma expressão faminta no rosto vai atrás da moça.





28.03.2010.

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