Bem vindo ao meu mundo

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O que pensa a mulher na caixa? (Episódio IV – Clair de Lune.*)


Clair de Lune. Esse era seu nome. O artístico, claro. Até onde ela sabia, pais e mães não tinham o louvável hábito de dar aos filhos nomes tão poéticos.
Uma amiga sua tinha uma teoria, não totalmente desenvolvida, sobre o estranho sentimento de crueldade que os pais podem ter em relação a sua prole. Dar aos filhos nomes ridículos devia fazer parte dessa cruel relação.
O nome dessa amiga era Carolina. Um nome bonito, com certeza. Carolina trabalhava como corista à noite e estudava Direito durante o dia. O trabalho noturno financiava o sonho diurno.
Clair de Lune era a estrela do show. Seu nome, o artístico, claro, brilhava na entrada das casas noturnas da capital.
Clair de Lune sabia como ninguém envolver a plateia com sua voz rouca e sensual, com seus olhos de sono e promessas e seus gestos que dominavam o palco.
Carolina, com as outras coristas, entrava no intervalo. Nenhuma delas tinha o poder de sedução quase animal de Clair de Lune.
Clair de Lune lembra das meninas enquanto olha as fotos amarelecidas do álbum.
Sob a marquise na cidade velha, a mulher encolhe-se em posição fetal dentro da caixa de papelão. É madrugada e o frio congela seus ossos.
Ela tenta se aquecer com jornais e alguns trapos velhos dentro da caixa que recolhera do lixo.
Na manhã seguinte, enquanto limpa a calçada, o gari vai encontrar, no meio de papelões, trapos, ratazanas e lixo, a mulher morta. Com ela não será achado nenhum documento, nenhuma identificação, apenas um álbum velho cheio de fotografias manchadas pela umidade e nas quais é impossível visualizar qualquer imagem.
Ela será enterrada como a indigente Maria de Tal – Desconhecida número 17.302.


*Clair de lune

Victor Hugo (1802-1885) - Les Orientales
Luar

Serena paira a lua e nas ondas rebrilha.
Livre a janela, enfim, aberta para a brisa,
A sultana olha, além, e o mar que se repisa,
Com um fluxo de prata adorna as negras ilhas.

Vibrando, de seus dedos, escapa a guitarra.
Ela ouve... Um surdo som golpeia os surdos ecos.
Uma grande nau turca a vir de águas de Cos
A agitar o arquipélago com remos tártaros?

Os alcatrazes, um a um, a mergulhar
Cortando a água que **** em pérolas sobre asas?
Será um djim que lá no alto assovia em voz rasa
E lança ameias lá da torre para o mar?

Quem pois revolve as vagas lá perto do harém?
Nem o negro alcatraz sobre o fluxo embalado,
Nem as pedras do muro ou rumo ritmado
Da grande nau pela onda e remos em vaivém.

São alforjes de peso; e dos prantos a trilha.
Ver-se-ia ao sondar o mar que os engalana,
Moverem-se em seus flancos tal qual forma humana...
Serena paira a lua e nas ondas rebrilha.

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